Morte censurada

by 21 Jun 2023Luto

Antes a morte era tema de conversa. 

Sabia-se como cada um desejava morrer, como esperava que o seu corpo morto fosse cuidado, que rituais gostaria que os outros lhe prestassem após a sua morte e no acreditava que acontecia após a sua morte.

Antes a morte tinha espaço físico na vida das pessoas, nas famílias. 

Compravam-se campas com anos de antecedência, guardavam-se nas arcas de madeira as roupas que vestiriam aquando da suas morte, preparavam-se as casas para velar os corpos.

Antes as crianças e os velhos eram autorizados a olhar a morte, a participar nos rituais, a ser parte da família na alegria e na tristeza, a tocar o corpo em medo, a pensar a sua morte e na morte dos seus.

Antes não havia pressa para colocar os corpos debaixo da terra, para parar de sentir o que houvesse para sentir – podia-se dizer que se estava de luto uma vida inteira. Era permitido enlutar.

Antes envelhecer era uma certeza e morrer uma realidade factual. E a vida seguia a sua rota sem pré-ocupações. 

Não se sofria com isso. Ia-se ao cemitério com à vontade, faziam-se poupanças para a reforma e tinha-se um pé de meia para pagar o funeral.

Antes envelhecer não era mistério e morrer era natural. Tudo o que vivia envelhecia e morria.

Não se investiam recursos em busca de pedras filosofais – não se disfarçavam os cabelos brancos e as rugas com urgência. Não havia a obrigatoriedade de agarrar a juventude pelo maior tempo possível, de mascarar a idade, de censurar a morte e o envelhecimento, de ocultar o luto.

Antes celebravam-se os anos de vida, ao invés de se lamentarem ou sobre eles mentir. 

Antes ter netos não desvendava a idade dos avós. Não constrangia.

Antes a morte era parte da vida, agora é tratada como a antítese da vida.

 Já tinham sobre isto reflectido?

Convidamos a perguntarem-se porquê, a questionarem-se sobre o que não estamos a falar quando não falamos da morte. Contribua com as suas reflexões nos comentários. E já agora: o que ganhamos ao colocar estes temas sobre a nossa mesa?

Psicóloga e hipnoterapeuta clínica e de saúde, especializada em processos de perda e luto, perinatalidade e parentalidade positiva. Ajuda miúdos, graúdos e famílias a conjugar sem lutas o verbo morreste-me, a restaurar o vínculo com quem já não está, a aguarelar a dor e a serem os guardiões da memória de quem lhes morreu.⁣⁣⁣

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