A Culpa
no Luto

by 4 Mar 2024Luto

Tendemos a pensar que há emoções limpas e emoções sujas. Emoções que podemos e emoções que não podemos experienciar. A culpa talvez seja mista: bem-vinda e mal-vinda, aceitável moralmente inaceitável na mesma medida. A culpa é aquela almofada branca com nódoas amarelas, precisa de corar ao sol até se transmutar na tristeza.

A tristeza é a emoção base do luto. É a emoção que comunica que perdemos algo ou alguém especial permanentemente; que as coisas não são da maneira como queríamos, esperávamos e desejávamos que fossem.

A culpa costuma visitar com frequência as pessoas enlutadas. Traz consigo um sentimento de mau estar por estas não terem impedido a morte, não terem feito o suficiente pela pessoa que lhes morreu, por aproveitarem a vida depois da morte da pessoa que tanto amavam ou por sentirem alívio após a sua partida.

Quando a culpa se derrama sobre as circunstâncias da morte, as pessoas enlutadas, acreditam que poderiam ter interferido, previsto ou salvo a pessoa que lhes morreu.

Quando a culpa se entorna sobre o que lamentam que tenha ou não tenha acontecido nas relações em vida com as pessoas que lhes morreram, as pessoas enlutadas, ruminam sobre o que gostariam de ter feito diferente.

Quando a culpa transborda sobre as suas vivências atuais, ela revela o quão desconfortável e injusto soa, às pessoas enlutadas, dar por si a saborear a minha vida sabendo que as suas pessoas não podem mais degustar as suas vidas.

Quando a culpa se debruça sobre o alívio após a morte ela, ela transparece uma de duas coisas: 1) o quão malévola lhes era a pessoa que morre e o quanto sofriam às suas mãos; 2) o quanto lhe queriam bem para realizarem esse exercício de se descentrarem de si. Mas incomoda, causa atrito, porque o valor da vida humana está em pano de fundo.

Nas entrelinhas a culpa faz-nos saber que não querem ferir quem lhes morreu, ofendê-los; que se sentem em dívida para com as pessoas que lhes morreram por tudo o que lhes foram; e que o pensamento mágico, que lhes faz sentir que tiveram responsabilidade na morte, é apenas uma protecção, uma maneira distorcida do mundo parecer menos perigoso, injusto e aleatório. Há algum conforto e segurança em parecerem menos impotentes do que aquilo que são. Há alguma esperança que não volte a acontecer um sismo emocional da mesma intensidade agora que algo aprendi.

A culpa é uma manifestação comum no luto, muitas pessoas a sentem. O que sabemos é que mais do que apurarem quão culpados ou inocentes são diante da sua culpa; mais do que silenciar a culpa, importa partir dela: quem a minha culpa me revela que quero ser – na vida e nas relações? Meditem e ensaiem-se.

Psicóloga e hipnoterapeuta clínica e de saúde, especializada em processos de perda e luto, perinatalidade e parentalidade positiva. Ajuda miúdos, graúdos e famílias a conjugar sem lutas o verbo morreste-me, a restaurar o vínculo com quem já não está, a aguarelar a dor e a serem os guardiões da memória de quem lhes morreu.⁣⁣⁣

COMENTÁRIOS