O luto do homem é um luto desautorizado pela sociedade. Perdoam-se as lágrimas em dia de funeral, mas não se esperam muitas mais. É um luto bastardo, na medida em que, a dor não é reconhecida pelos espaços por onde transita. É, sim, diminuída, silenciada, censurada.
Afinal, para a sociedade, homem não chora, homem precisa ser forte pela família, homem precisa prover. A masculinidade parece não rimar com vulnerabilidade.
É difícil para o homem enlutado responder como está. Desconversa: é a vida, precisamos ultrapassar, seguir em frente, não quero falar sobre, lembrar é pior para mim. Às vezes solta um foi um golpe que não esperava, evidenciando a violência da sua vivência interna de perda.
Não há espaço para o sentir. Ensinaram os homens a fazer coisas, não, a sentir coisas. Então, quando a emoção toma de assalto o homem, ele nega-lhe espaço, nega-lhe tempo, nega-lhe expressão. O luto para o homem parece um quebra-cabeças a ser resolvido em contra-relógio. Como resolvemos o problema?
É-lhe, por isso, mais natural responder ao que tem feito para lidar com a dor da perda, mas mais natural ainda ficar no seu canto, em silêncio ou na sua “caverna” ocupado com algum projecto. Se sente, esconde. Não tem pessoas ou espaços seguros onde possa partilhar a sua vivência, não procura tanto compreender o fenómeno de luto via filmes, séries ou livros, desmazela-se com a sua saúde física e mental. Pigarrea em vez de chorar. Reprime, racionaliza, sufoca. Não procura ajuda, não se conecta com quem lhe morreu. Adoece na pressa de querer ultrapassar, na urgência de fazer coisas e pouco sentir.
Escuto o teimoso verbo ultrapassar na boca de um homem enlutado e imagino-o com um pé no acelerador do seu carro, deixando para trás os corpos dos seus mortos. Abandonando-os e abandonando parte de si também na estrada. O homem enlutado amputa o seu passado como se este padecesse de necrose. Já ultrapassei, dizem-me tantas vezes quando o luto ainda é um banco de jardim pintado de fresco. Estudo o luto há demasiado tempo para acreditar na mentira que me contam, mas sei que para eles não é uma mentira. É, sim, uma verdade fabricada à força do ter de ser. Já ultrapassei, dizem-me e confabulam. Levantam-se do banco com a t-shirt listrada da tinta fresca e agem como se nada fosse.
As mulheres dizem-me, muitas vezes, que os homens da sua família não sentem da mesma forma, que estão ocupados com as coisas deles, que não querem saber do que as mulheres sentem, ou são pessoas reservadas. Penso nesses homens como caixas de pandora: solitários, guardando todas as trevas dentro de si. Preocupo-me. A sociedade tem esta voz, este olhar comum sobre todos os homens. A sociedade rejeita a dor do homem, condena-a.
O homem sente, o homem enluta, mas o homem não tem liberdade de expressão, acolhimento, validação no seu luto. E essa responsabilidade não é dele, é de cada um e de todos nós. Da próxima vez que estiver perante um homem enlutado, tenha respeito pela sua dor, mesmo que este não lha revele. Lembre-se: um homem enlutado é um iceberg: a superfície não faz jus ao que não somos capazes de ver. Engana-nos na sua aparente normalidade.
Se for um homem enlutado, entenda que a rebelião do homem começa no seu coração. Viva o luto como precisa de o viver, não como lhe dizem que o deve viver. Combinado?