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A nossa saúde mental quando está em baixo de forma tem sempre as mãos estendidas a quem lhe faça companhia – os psicólogos chamam isto de comorbilidade. Esta palavra esquisita diz-nos que ao invés de um só quadro clínico de psicopatologia, temos dois ou mais presentes. Em vez de uma doença mental, temos duas ou mais. A verdade é que a doença mental tem essa predilecção por andar de mão ou braço dado com outra doença mental.
 
O luto pode ele em si adoecer ou não, mas em todas as circunstâncias, afecta sempre a nossa saúde mental. Logo, também ele estende os braços a quem lhe queira fazer companhia. 
Se tivermos psicopatologia diagnosticada anteriormente ao luto é comum que ela agrave ou volte para dar um olá. Mas mesmo não tendo nenhum histórico de doença mental, não é estranho surgirem-nos após a morte de uma pessoa querida alguns desafios na nossa saúde mental adicionais ao luto.
 
Podemos, por exemplo, sentir muita ansiedade, desenvolver medos que não vão por nadica de nada embora. Medo de adoecer, medos acerca da morte, medo de dirigir, medo de ficar sozinho. Medos, muitos medos. 
 
Podemos sentir culpa e raiva num volume tão alto que podemos começar a tentar abafar o ruído com comida, drogas, bebida, sexo, actividades perigosas que envolvam adrenalina ou trabalho. Ensurdecer para não sentir pode tornar-se uma estratégia de fuga, um vício.
 
Podemos ainda sentir uma tristeza que vai além da perda, uma tristeza ou apatia generalizada, que nos paralisa.
 
Podemos padecer de imagens, sons ou sensações que nos levam sempre ao que aconteceu ou julgamos ter acontecido. Conteúdos que nos perturbam, dos quais ficamos reféns. Não conseguimos lavar os olhos, os ouvidos ou o corpo destas memórias reais, ou fantasiadas. Parafraseando Fernando Pessoa, quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara.
 
Outras vezes surgem obsessões, pensamentos também na forma de frases, imagens, impulsos que nos invadem a mente, como os anúncios da tevê invadem os programas, mas em maior frequência. A dada altura pode parecer até que inverteu: que os anúncios viraram o programa e o programa os anúncios. São pensamentos que nos atormentam e amedrontam, assemelham-se a profecias apocalípticas – há sempre algo de muito terrível para acontecer. Por vezes, descobrimos uma fórmula para fintar esse destino. Ficamos mais calmos após a executar, mas se observarmos com atenção ficámos presos a esse ciclo de ser invadido por essas intrusões malévolas e o exercício de as evitar ou minimizar.
 
O luto provocará sempre uma sacudidela na nossa saúde mental, mas quando percebemos que esse sofrimento vai além da perda deveremos procurar um psicólogo do luto – um psicólogo do luto, não um terapeuta do luto – para poder nele intervir. As perturbações de ansiedade, a depressão, as adições, o trauma, as perturbações obsessivo-compulsivas, entre outras, podem habitar-nos ao mesmo tempo que o luto, mas precisarão ser cuidadas de outra forma. 
 
É tal e qual como nas doenças físicas: não é porque estou com uma gripe que não hei de fazer suplementação para a anemia ou despreocupar-me com o meu colesterol. Certo? 
 
Numa comparação simples, o luto estaria mais para a diabetes. Vocês sabem, eu sei, a diabetes predispõe-nos a muitos outros problemas de saúde. E ainda que ela seja a porta-estandarte, os outros problemas de saúde surgem e devem ter cuidados médicos especializados. Na doença mental não é diferente. 
 
Observe e cuide-se. Observe e cuide dos seus. Qualquer dúvida, estamos por aqui.